segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Os Estete e a conquista da América

Cerca de 70 anos antes da chegada de Don Bartolomeu, vieram para a América dois mercenários de sobrenome “Estete” ou “D’Stete”. O primeiro teria sido Martín Estete, vindo entre 1506 e 1510, que em 1525 trouxe seu parente Miguel Estete para a região onde hoje é a Nicarágua. Diante da notável semelhança fonética dos sobrenomes, é razoável supor que os Estete sejam de um ramo próximo da família original. O local de nascimento de Miguel (por volta de 1495), Santo Domingo de la Calzada, se localiza na atual província de La Rioja a poucos quilômetros de La Bureba, e era na época o extremo oriental de Castela conquistado do então Reino de Navarra. Tanto Martín como Miguel terminaram suas vidas no Perú e por isso seu sobrenome é confundido frequentemente com os “Astete”, em textos sulamericanos. Porém são claramente citados como “Estete” na literatura histórica da Nicarágua e de El Salvador, especialmente se falamos de Martín. Seus descendentes, no entanto, parecem ter desaparecido em pouco tempo pois seu sobrenome é muito menos freqüente, seja nas Américas, seja na Espanha. Mesmo os Estete modernos parecem ser descendentes dos Astete do Peru, visto que, depois da morte de Miguel, não há notícia de pessoas com sobrenome Estete até o século XX. Mesmo assim, há importantes informações históricas sobre estes dois personagens.

Martin Estete
Martin Estete consta da relação de homens que teriam vindo para América com o fidalgo andaluz Diego de Nicuesa. Nicuesa empenhou todo seu prestígio para ser nomeado em 1506 governador da Tierra firme (ou Castilla del Oro, hoje o Panamá e a Nicarágua), para lá partindo por volta de 1509 numa expedição na qual investiu toda sua fortuna na contratação de navios e soldados. Após a morte de Nicuesa em 1511, Martin permaneceu na América Central, sendo recomendado pelo Rei Carlos I em 1524 para que recebesse cargo comissionado de Pedrarias D’Ávila, o temido novo governador da “Tierra firme”, de quem se tornaria braço direito. Em 1529 fez a exploração do rio Suerre, ao norte da Costa Rica, sendo duramente combatido pelos nativos locais. Em 1530, sob ordens de Pedro Arias D’Ávila (Pedrarias por contração e por menção à ganância do governador) sitiou a cidade de San Salvador, fiel ao governador Pedro Alvarado, com a finalidade de anexa-la à governação da Nicarágua. Foi então derrotado, após longos combates, por Luís Moscoso. Em 1534 já estava no Peru e foi responsável por fazer o plano de construção, arruamento e ocupação da recém fundada cidade de Trujillo, tornando-se possivelmente o primeiro “urbanista” da América do Sul. De fato, a diagramação urbana da cidade, ao mais clássico estilo do barroco espanhol, a distingue de outras cidades do Peru. Foi sub-governador em Trujillo até se transferir para Lima, com sua mulher Maria de Escobar. Faleceu em 1537 e não se conhecem descendentes da época.


Miguel Estete
É do relato de Miguel Estete que sabemos sobre muitos dos fatos ocorridos durante a conquista do Império Inca pelos espanhóis. Nascido por volta de 1495, em Santo Domingo de la Calzada, veio para a América Central em 1525. Em 1527 acompanhou Diego Almagro na expedição que saía do Panamá para reforçar o grupo de Francisco Pizarro, que partira para explorar as terras do sul. Assistiu à fundação de San Miguel de Piúra, a primeira cidade espanhola do Peru, na mesma época em que os espanhóis tomaram conhecimento do império Inca e de sua crise política. Em 16 de agosto de 1532, Miguel Estete participou de um fato fúnebre: era um dos 20 que acompanharam Hernando Pizarro a Cajamarca, onde foi capturado o Inca
Captura de Atahualpa
Integrante da "missão diplomática" enviada por Francisco Pizarro, Miguel Estete acompanhou Hernando de Soto na visita que fez ao Inca Atahualpa, nos “baños” próximos a Cajamarca, da qual fez um famoso relato. Atahualpa veio a Cajamarca costurar um império que ameaçava se fragmentar, após a guerra civil pela sucessão do trono incaico com seu irmão Huáscar, da qual saiu vitorioso. Para lá não foram exércitos preparados para lutar, estavam presentes os líderes de várias tribos até então vassalas do Império Inca, e os espanhóis eram considerados apenas mais um grupo, do qual pouco se sabia. Cajamarca era uma cúpula diplomática. Com Huáscar capturado, interessava a Atahualpa oferecer a paz aos antigos aliados de seu irmão, e reforçar alianças de tribos com o poder de Cuzco. Francisco Pizarro se fizera anunciar como um emissário do rei castelhano e enviou tropas sob o comando de seu irmão Hernando, oferecendo apoio militar de seu grupo ao Inca. Convidado pelos espanhóis para um diálogo na praça central da cidade deserta, um excessivamente confiante Atahualpa compareceu com um séquito de nobres (os “Orejones”), deixando um exército de 30.000 soldados acampado fora da cidade. Foi em meio às discussões que os espanhóis atacaram de surpresa a comitiva real. Estete foi um dos que mais matou, atacando diretamente o grupo de Orejones que tentava proteger o Inca. Após chacinar vários nobres, atacou o próprio Atahualpa, lhe arrancando da cabeça a “Mascaipacha”, que era a insígnia real. Em seguida tentou mata-lo com golpe de sua espada, e teria conseguido se não fosse a intervenção pessoal de Pizarro, que ao impedi-lo teve a mão ferida. Atahualpa foi levado prisioneiro, e isto estimulou ambições de autonomia das tribos aliadas do antigo Império. Não sabiam que faltava pouco para também conhecerem a única lei espanhola no território de então: o fio da espada.
Conquistadores espanhóis representados na fundação de Santiago
Estete não participou da execução do Inca. Em meio às intrigas de Francisco Pizarro contra Atahualpa (se dizia que este conspirava contra os espanhóis, preparando uma vingança assim que fosse pago seu resgate), acompanhou Hernando De Soto na patrulha que iria verificar se realmente se aproximavam tropas do império para atacar o local onde mantinham o Inca em cativeiro. Não encontrando nenhum exército, voltaram, para descobrir que Pizarro havia mandado garrotear o Inca, apesar do espetacular tesouro enviado de Cuzco. Recebeu desse resgate um montante de 362 marcos de prata e 3.980 pesos de ouro. A partir de então é visto, cada vez mais, aliado aos opositores de Pizarro. Ainda assim, acompanhou Hernando Pizarro ao assalto ao templo de Pachacámac, nas vizinhanças da atual Lima, em 15 de janeiro de 1533, voltando em maio dessa expedição com um riquíssimo butin e o cacique Calicuchima prisioneiro. Seu relato deste feito foi publicado só no século XX. Em 1534 acompanhou Diego Almagro para o norte e foi designado para escolher um local para a fundação de Trujillo. Miguel Estete participou em 1535 da conquista da cidade imperial do Cuzco e da exploração de seus tesouros. Quando eclodiu o conflito com os Pizarro, foi leal a Almagro e defendeu a autoridade de Hernando de Soto. Em meio às hostilidades, viajou à Espanha na esquadra que levava os tesouros da conquista bem como os relatos da mesma, entre os quais figurava uma relação escrita por ele descrevendo inúmeros aspectos sobre a flora e fauna do novo mundo, além de dados geográficos. Já acumulava uma riqueza de 28.000 pesos de ouro e 6.500 marcos de prata. Em 1537 estava de volta ao Peru, vivendo em Lima, e em 1539 ajudou a fundar Huamanga (Ayacucho). Conta-se que, em 1557, o Inca Sairi Tupac passou por Huamanga a caminho de Lima, atendendo a chamado das autoridades espanholas. Nessa ocasião encontrou-se com Estete que entregou a ele a “Mascaipacha” de Atahualpa, talvez tentando reparar sua antiga culpa. Sairi Tupac aceitou a oferta, mas não tinha motivos para ficar feliz, visto que Atahualpa fora inimigo de sua família nas guerras civis. Miguel Estete casou-se com Doña Beatriz de Guevara e viveu em Huamanga como cidadão respeitado até sua morte. Em 1574 sua filha, Isabel de Estete, ergueu em sua memória uma capela no Mosteiro de Santo Domingo. Apesar de ter tido, segundo relatos, muitos filhos, não há registro sobre os demais descendentes de Miguel Estete, e é provável que tenham adotado o sobrenome Astete com passar do tempo.

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